domingo, 3 de setembro de 2017

Sêneca - vida e obra

A publicação de hoje destina-se a apresentar brevemente a vida e a obra do filósofo Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.), um dos maiores expoentes do estoicismo na civilização romana.

Sêneca foi um renomado advogado e escritor de seu tempo, influenciando diversos movimentos intelectuais e artísticos, como a tragédia na dramaturgia europeia.

Durante o exílio na ilha de Córsega, escreveu grande parte de sua obra filosófica, ligada ao estoicismo, corrente de pensamento que apregoava, dentre outros elementos, a renúncia aos bens materiais como veículo para a busca da tranquilidade da alma, incentivada por meio do conhecimento e contemplação.

Os escritos de Sêneca revelam uma emoção incomum na generalidade dos textos filosóficos, talvez em decorrência de sua veia artística. Creio na essencialidade dessa carga sentimental nas obras filosóficas, como forma de atingir um público desacostumado ao hermetismo de algumas ideias. Sêneca faz isso com rara sensibilidade, pelo que elenco seus escritos dentre meus favoritos.

Pessoalmente, sempre apreciei a obra de Sêneca, desde quando a li pela primeira vez, no início da Faculdade de Direito. Segue trecho ilustrativo das ideias apresentadas por esse ilustre filósofo em seu "Tratado sobre a Clemência", dirigido ao imperador Nero, em que Sêneca apresenta incrível capacidade argumentativa para questionar a autoridade do referido déspota:

"O povo romano enfrentava um grande risco, quando lhe parecia incerto para onde se voltaria tua nobre índole. Agora, os votos públicos estão em segurança, pois não existe perigo de que, subitamente, te esqueças de tua natureza. Decreto, bonança excessiva faz os homens vorazes, e as cobiças jamais são tão moderadas que terminem com aquilo que aconteceu. Caminha-se de grandes cobiças para maiores e os que foram ao encalço de coisas inesperadas se agarram às mais falsas esperanças. Todavia, hoje, a todos os teus cidadãos obriga-se a confessar que são felizes e que já nada mais se pode acrescentar às suas venturas, exceto que sejam permanentes".

Outro trecho relevante do "Tratado sobre a Clemência", acerca da distinção entre a clemência e o perdão:

"Mas aquilo que quiseres obter pelo perdão, o sábio te concederá por um caminho mais honrado, pois poupará, refletirá e corrigirá. Fará o mesmo que se perdoasse, mas não perdoará, porque aquele que perdoa reconhece ter omitido algo que devia ter feito. A alguns, observando que sua idade permite recuperação, fará apenas admoestações verbais e não infligirá castigos. A outros, que visivelmente padecem com o que há de repugnante em seu crime, ordenará que permaneçam incólumes, porque foram ludibriados, porque cometeram o deslize por causa do vinho. Devolverá inimigos ilesos, algumas vezes até elogiados, se foram convocados para a guerra com motivos honrados, como em prol de uma fé juramentada, de um tratado ou da liberdade. Todas estas coisas não são obras do perdão, mas da clemência. A clemência tem livre arbítrio, julga não segundo a fórmula legal, porém segundo a equidade e o bem. E lhe é permitido absolver e taxar uma demanda em quanto quiser. Destas coisas, nada faz como se fizesse menos do que é justo, mas como se o que estabelece fosse o mais justo. Perdoar, contudo, não é deixar de punir a quem se julga que deva ser punido. O perdão é a remissão de uma pena devida. Em primeiro lugar, a clemência garante que, aos dispensados, ela pronunciará que nada mais deviam padecer. Ela é mais completa do que o perdão, mais honrosa".

Recomendo enfaticamente a leitura dos textos de Sêneca! Um forte abraço a todos.

sábado, 22 de julho de 2017

Proteção Internacional dos Direitos Humanos - parte 1

Caros leitores,

Iniciaremos a partir desta uma série de publicações sobre a evolução histórica da proteção internacional dos direitos humanos, até o seu atual estágio de autonomia frente aos outros ramos da Ciência Jurídica.

Como o objetivo do blog é expor temáticas complexas em linguagem simples para estudantes de Direito, Filosofia, Relações Internacionais, optamos por omitir as fontes doutrinárias, bem como apresentar o texto de forma mais sintética, a fim de proporcionar-lhes o entendimento básico do tema, o que pode ser útil para um eventual exame intelectual na graduação, pós-graduação ou concurso público.

A proteção do indivíduo e sua condição de sujeito de direitos, dotado de personalidade jurídica, é fruto da corrente filosófica antropocêntrica, de origem helênica, mas com potencial desenvolvimento a partir do Renascimento, entre os séculos XIV a XVI, avançando pelo período histórico do Iluminismo, nos séculos XVII e XVIII.

O antropocentrismo enquanto corrente filosófica pressupõe que o homem (ser humano) pode ser considerado como a "medida de todas as coisas" (definição do filósofo helênico Protágoras), um fim em si mesmo (definição do filósofo germânico Kant), merecendo tratamento jurídico diferenciado, sendo sujeito de direitos e obrigações (deveres) no plano civilizacional.

Entretanto, a prática demonstrou que durante séculos ao ser humano gradativamente foram reconhecidos direitos na sociedade internacional, porém não foram deferidos os consequentes deveres, sendo apenas recente o reconhecimento de obrigações ao ser humano, após a criação do Tribunal Penal Internacional pelo Estatuto de Roma, em 1998.

Oriundo do Direito Romano, o chamado Direito Natural tutelava de forma embrionária a proteção do indivíduo. Após a queda do Império Romano Ocidental (476 da Era Cristã - EC), a influência do Direito Germânico e do Direito Canônico no antigo ordenamento latino proporcionou a evolução doutrinária com a figura dos Glosadores e Pós-Glosadores, que detinham esse nome por realizarem glosas (anotações laterais) nos textos e códigos que se constituíam como fontes do Direito Romano, em especial o Corpus Juris Civilis, organizado pelo imperador Justiniano entre 529 e 534 EC. Um dos mais prolíferos glosadores foi o jurista Bartolo, mas diversos foram os estudiosos que realizaram comentários aos diplomas que fundamentavam o Direito Romano, já interpretado após a queda do lado ocidental.

O Direito Natural, embora não tenha sido contemplado da forma como deveria, principalmente por não apresentar respostas imediatas para as relações jurídicas cotidianas, como ocorria com o Direito Civil por exemplo, era considerado na prática uma disciplina propedêutica (introdutória), da qual se extraíam fundamentos para as demais disciplinas estudadas nas Faculdades de Leis (Direito) do período - um dos cursos mais conhecidos era o da Universidade de Bolonha, fundada em 1088 EC.

O Direito Natural, dessa forma, construiu as fundações do que se tornaria a Teoria dos Direitos Humanos especialmente a partir do século XVIII, com fundamento filosófico calcado nas teorias antropocêntricas reverberadas desde as escolas gregas (especialmente a Estóica), bem como na ética judaico-cristã após o avanço do Cristianismo no governo do imperador romano Constantino (306-337 EC).

sexta-feira, 16 de junho de 2017

As Origens do Direito Internacional Público - 2ª Parte

Caros leitores, renovo minha satisfação em voltar a escrever e divulgar nosso diário virtual após dois anos de inatividade. Nesse período, dediquei-me a lecionar Direito Internacional, pesquisar sobre o tema e, principalmente, subir degraus na escada do serviço público brasileiro. Quem conhece minha história de vida sabe que muitos foram os obstáculos enfrentados, felizmente com sucesso.

Na publicação de hoje, continuando a tecer breves considerações sobre a história do Direito Internacional Público (DIP), vimos que essa disciplina jurídica, embora regule as relações travadas entre sujeitos e atores internacionais - relações essas que travam origem na aurora dos povos - é disciplina historicamente recente, tendo surgido especialmente a partir do século XVII, como desdobramento do Direito Natural e evolução do Direito Fecial de matriz romana.

Um dos grandes nomes da disciplina, considerado por muitos o "pai do DIP", é Hugo Grócio. Embora jovem, elaborou relevantes compêndios doutrinários da disciplina, explorando de forma especial as tensas relações desenvolvidas pelos reinos europeus do século XVII.

Embora a vida de Grócio tenha se desenrolado antes do fim da Guerra dos Trinta Anos, que culminou no tratado internacional conhecido como Paz de Vestefália (1648), considerado marco histórico da formação dos Estados Modernos e ponto de partida para um potencial desenvolvimento do DIP, sua obra e trajetória acadêmica sem dúvidas caracterizaram-se como importantes para que a disciplina fose progressivamente se desmembrando do já vetusto e questionado Direito Natural lecionado nas faculdades de Direito europeias.

Grócio (1583-1645) foi parte de sua vida contemporâneo de Francisco Suarez (1548-1617), e ambos sucederam a Francisco de Vitória (1483-1546) no estudo do então difundido Direito Natural. Mas os três estudiosos têm em comum o fato de que se valeram de um dos elementos de estudo desse ramo jurídico - a Guerra - para dele extrair o embrião daquilo que posteriormente se tornaria o Direito Internacional, mais propriamente o DIP.

Contudo, os três grandes teóricos supracitados não assistiram ao marco histórico de formação do Estado moderno e do potencial desenvolvimento do DIP - a Paz de Vestefália. Após a realização desse tratado internacional, a Europa entrou em um período de estabilidade geopolítica (considerando, ao menos, a efervescente política internacional anterior) que somente seria superada pelo Concerto Europeu proporcionado pela Convenção de Viena (1815), consagradora da queda bonapartista.

Bom, por hoje essa é a reflexão que gostaria de trazer a vocês. Um cordial abraço e até nosso próximo texto.