quarta-feira, 29 de junho de 2022

Diferença entre Direito Penal Internacional e Direito Internacional Penal

Saudações!

A distinção entre os conceitos de direito penal internacional e direito internacional penal deita raízes no regime de interdisciplinaridade que o direito criminal possui com outras províncias da ciência jurídica.

Em suma, o direito penal internacional refere-se à matéria de direito criminal que lida com a aplicação da lei penal no espaço, e possui significativa relação com a disciplina do direito internacional privado (que, ao contrário de sua denominação, não lida com matérias alinhadas à taxionomia do direito privado - tanto é assim que prefiro a denominação conferida pelo insigne jusinternacionalista Jacob Dolinger ao denominá-lo de direito intersistemático).

As questões inerentes à interpretação e aplicação da lei penal no espaço referem-se, pois, ao direito penal internacional (e.g. crime cuja fase executória desenvolve-se no Brasil e é consumado na Espanha). Não se limita a questões transfronteiriças (o que é denominado por parte da doutrina de direito transnacional), mas sim abrangendo toda a sociedade internacional conforme conceito tradicional oriundo do direito internacional público. Ainda assim, lida diretamente com a aplicação de diferentes sistemas jurídicos, e por essa razão é relacionado ao direito internacional privado no regime de interdisciplinaridade inerente ao direito criminal brasileiro.

O direito internacional penal, por sua vez, é matéria própria do direito internacional público, oriundo do fenômeno de fragmentação desse ramo da ciência jurídica ocorrido especialmente a partir do século XX. O direito internacional penal lida com os crimes internacionais contidos no Estatuto de Roma de 1998, e são julgados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede na Haia, Holanda.

Segundo o Estatuto de Roma, quatro são os crimes considerados internacionais e objeto cognoscível do direito internacional penal: crimes contra a humanidade, crimes de guerra, genocídio e agressão (ou, como prefiro denominar, agressão internacional). A prática de tais crimes dá-se por determinada categoria de agentes públicos (por tal razão, podem ser considerados crimes próprios), e o TPI veio a substituir os tribunais internacionais penais ad hoc (e.g. Tribunal de Nuremberg - o mais famoso -; Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia; Tribunal Penal Internacional para Ruanda; etc.) a fim de cumprir o princípio processual penal do Juízo natural, na medida em que hoje existe uma Corte criada antes da prática de crimes internacionais, não depois.

Esta é uma breve distinção entre essas duas matérias de interesse para o direito penal, direito internacional público, direito internacional privado e direito internacional dos direitos humanos, sendo objeto de maiores considerações na doutrina especializada. Espera-se que este texto possa aclarar a mente de quem possui essa dúvida desde os bancos universitários até a sociedade civil em geral.

Até logo!

Atualizações e novidades no blog

Amigos e leitores, a vida tem sido muito dinâmica nos últimos meses. As atividades na procuradoria, universidade e escritório de advocacia infelizmente tomam meu tempo para escrever com a frequência que gostaria neste blog.

Resolvi encarar o desafio, não ingressar no período sabático que projetava e iniciar o curso de doutorado na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), sendo orientado pelo Prof. Dr. Luiz Regis Prado, certamente a maior autoridade em Direito Penal do Brasil. Minha tese de doutorado tratará sobre os crimes contra as finanças públicas e seu regime de responsabilidade criminal, administrativa, política e civil no direito brasileiro, no contexto do combate à corrupção empreendido pelos órgãos de persecução criminal e fiscal.

Além disso, auxilio como posso na Procuradoria Geral do Município de Goiânia e na Universidade Estadual de Goiás, assentando meu tijolo na construção da história do Estado de Goiás, no centro-oeste brasileiro.

Enfim, resolvi tirar da gaveta um projeto antigo, alinhado com as novas perspectivas do mundo do trabalho nos últimos anos: retornei aos bancos universitários como graduando para iniciar bacharelado em Engenharia de Software pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER), visando a atuar no segmento de segurança da informação e proteção de dados pessoais, tão caro ao direito como o é à informática.

Pretendo manter este blog dedicado às atividades e textos acadêmicos e de opinião que redijo, ligados à ciência jurídica e às demais áreas das ciências humanas a que me dedico (filosofia e história). As demais atividades que exerço serão objeto de outros blogs cuja divulgação trarei em breve.

Vamos em frente!

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Reflexões de 2020 e preparação para 2021

Sempre que posso, continuo a escrever nesse meu velho diário eletrônico, esse verdadeiro amigo que, bastante fofoqueiro, revela a toda a rede mundial de computadores o que penso e escrevo a ele. Faço isso desde quando o criei, nos idos de 2009, quando engatinhava na vida acadêmica como aluno da Gloriosa e Saudosa Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.

Desde então, colegas se tornaram amigos, amigos afastaram-se pelas vicissitudes da vida cedendo espaço para outros colegas, que também se tornaram amigos, e assim por diante. Talvez por isso a vida quis que me tornasse Advogado, pois embora bastante intransigente às vezes (confesso), sempre soube ouvir e cultivar relacionamentos.

Conheci minha futura esposa na Faculdade de Direito, formei-me, militei (e milito) ativamente na prática forense desde 2013, tornei-me Advogado da Autoridade Portuária Federal do Rio de Janeiro em 2014, saindo de lá em 2016 para assumir o cargo de Procurador do Município de Goiânia e, em 2018, de Professor da Universidade Estadual de Goiás. Ainda assim, sempre que posso regresso a minha terra, ao meu querido Rio de Janeiro, onde estão e sempre estarão minhas raízes e as raízes de minha família.

Este ano de 2020 foi extremamente atípico. A pandemia que assolou o mundo ceifou a vida de milhões de pessoas, e não poupou ninguém. Todos conhecemos alguém que morreu ou sofreu sequelas da maldita doença. A fragilidade humana foi exposta, e tornamo-nos pequenos diante da implacável mão da Natureza sobre a humanidade.

Sempre fui um entusiasta da Civilização, e daquilo que ela trouxe aos seres humanos. Brinco com vários colegas de trabalho no sentido de que defendo os interesses do Estado há seis anos (quatro como Procurador Municipal e dois como Advogado em Empresa Estatal) pois sem ele, restaria a barbárie. O Estado hoje é a encarnação mais próxima que temos da Civilização enquanto conjunto de instituições humanas que remonta à Suméria, à Babilônia, ao Egito e a tantas outras nações do passado, que nos legaram o conhecimento (ora, se Grécia e Roma não tivessem entabulado contatos com as grandes civilizações do passado, não teriam incrementado seus desdobramentos culturais e nos legado a cultura ocidental que temos hoje em nossas próprias Civilizações, representadas pelos Estados).

Entretanto, tenho minhas dúvidas neste ano de 2020 se o Estado é uma instituição que deva sofrer uma releitura, à luz das relações internacionais, em busca de um modelo de cooperação internacional vinculativo e que não deixe ao sabor da vontade (autoritária) do Estado, por exemplo, o momento de se adquirir medicamentos ou a tão sonhada vacina ao vírus que assolou o mundo em 2020, e que ainda assolará em 2021.

Neste ano de 2020 encerrei meu Mestrado em História, e em princípio pretendo aproveitar um período sabático em 2021. A vida neste plano de existência é curta e temos de aproveitá-la ao lado de quem amamos. É o que farei. Contudo, não deixarei de estudar, pois tudo o que sou hoje devo ao estudo, o maior libertador das amarras da ignorância e do cativeiro da intolerância.

Uma vez mais, tentarei dar seguimento regular a publicações neste Blog. Num tempo de leituras rápidas e não reflexivas, creio que possa contribuir assentando o tijolo do conhecimento em confronto com as meras informações a que somos submetidos diuturnamente. Conto com os leitores que já garantiram mais de 20.000 visualizações a este meu amigo fofoqueiro. Desejo-vos um 2021 com saúde e paz!

sábado, 7 de dezembro de 2019

UEG - Curso de Extensão em Filosofia (2º Semestre de 2019) - texto complementar 01

Caros leitores,

Inicialmente, gostaria de destacar a profunda gratidão e orgulho ao lograr êxito em disputado concurso público de provas e títulos para o cargo efetivo de Docente de Ensino Superior da Universidade Estadual de Goiás (UEG), assumindo a cátedra de Direito Penal e Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Unidade Palmeiras de Goiás (GO).

Em segundo lugar, considerando a oferta de dois cursos de extensão no 2º semestre do ano de 2019, em Filosofia e Sociologia, comprometi-me a apresentar como produto dessas ações de extensão a elaboração de textos em página virtual da rede mundial de computadores acessível a todos - comunidade acadêmica, comunidade local e sociedade.

Nesse sentido, a partir deste serão elaborados uma série de textos complementares ao abordado nos seminários do Curso de Extensão em Filosofia, sendo elaborada oportunamente outra série de textos complementares aos seminários do Curso de Extensão em Sociologia.

Ressalte-se, em proêmio, que os referidos textos não possuem a pretensão de se constituírem em trabalhos acadêmicos - seja por razões metodológicas, seja pela própria natureza de um blog como repositório de textos informais de opinião do autor, podendo ou não ser aplicado o uso de linguagem coloquial - o que não é a hipótese desta página.

Logo, objetivar-se-á expor ideias que possam contribuir ao aprofundamento dos temas abordados de forma sistemática nos seminários da edição do Curso de Extensão em Filosofia, considerando especialmente o período de férias dos alunos participantes da referida ação de extensão, momento propício para a leitura de materiais de pesquisa complementares aos estudos semestrais.

Em um primeiro momento, foi apresentado ao longo do semestre o conceito de Filosofia, matéria por si só passível de prolíferos debates entre os estudiosos referenciados desta área do saber. Expuseram-se, pois, duas definições de Filosofia: "fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas" (Marilena Chauí) e "arte dos conceitos" (Deleuze e Guattari).

Uma vez fixada essa importante premissa, a saber, uma proposta válida de definição de Filosofia, passou-se a desenvolver levantamento histórico das principais correntes teóricas da Filosofia Ocidental desde sua potencial origem nas Cidades-estado gregas, decorrente do conflito existente entre os sofistas (estudiosos que alienavam seu conhecimento às elites das sociedade das pólis da época) e os filósofos ("amigos da sabedoria", que se encontravam nas ágoras - praças das Cidades-estado - e pretendiam popularizar o acesso ao conhecimento desprovido da alienação às elites políticas e econômicas típica dos sofistas, que ensinavam predominantemente retórica à classe política de outrora).

O conflito entre sofistas e filósofos também era acompanhado do conflito intelectual entre Filosofia e mito. A sociedade das Cidades-estado gregas era alicerçada no politeísmo e na explicação mitológica dos fenômenos naturais, o que era intensamente contestado pelos primeiros filósofos. Desta forma, a Filosofia ensejava provocações em seus debates que por vezes desagradavam as classes dominantes, o que resultava em pesadas retaliações aos filósofos que ousassem contestar o status quo - o que de fato ocorreu com Sócrates, condenado à morte por suicídio ao beber o veneno cicuta.

Em textos futuros, pretende-se abordar de forma pontual outros momentos da História da Filosofia, proposta do curso de extensão ofertado neste semestre. Um cordial abraço a todos!

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Pensamento Jurídico Sistêmico - parte 1

O Direito, na perspectiva da Ciência Jurídica, pertence à categoria das Ciências Sociais Aplicadas, sendo de grande relevância para a manutenção das relações humanas sob o prisma dos valores de liberdade, igualdade e fraternidade. Não por acaso, embora exista desde priscas eras, sofreu profunda ressignificação a partir das revoluções liberais do século XVIII, marcadamente a Revolução Francesa (1789).

O pensamento filosófico desde sua potencial origem nas civilizações helênicas da Antiguidade caracteriza-se pela sistematização e raciocínio holístico, não considerando apenas uma ótica da realidade, do mundo fenomênico, mas trazendo aportes teóricos significativos para a compreensão da realidade social, política, natural, estética e metafísica.

Todavia, com a revolução industrial no século XVIII, e consequentemente a revolução científica que a acompanhou especialmente ao longo do século XIX, semelhante pensamento holístico foi objeto de gradual transmutação para uma perspectiva mecanicista da realidade, que trouxe bons frutos como a sistematização do pensamento científico e sua divisão metodológica, mas que também resultou em um significativo processo de perda de sensibilidade e ausência de referenciais teóricos abrangentes.

Em suma: a transmutação do pensamento sistemático para o pensamento mecanicista deitou profundas raízes em movimentos intelectuais como o positivismo filosófico (e jurídico) ao longo do século XIX que, como todos sabem, resultou na barbárie nazi-fascista nas décadas de 1920 a 1940. Embora a conclusão em princípio pareça ser dissociada da premissa ("graves violações de direitos humanos ocorreram porque os meios acadêmicos da época optaram por gradualmente se afastar de um pensamento integral da realidade para inebriarem-se em uma sanha classificatória e determinista da mesma realidade, plural e multifacetada"), creio que a capacidade formadora de opinião dos meios acadêmicos, especialmente no período histórico considerado, foram de fundamental importância para influenciar as forças políticas de então, resultando no massacre imperialista e nazi-fascista subsequente.

Após a II Grande Guerra (1939-1945) o positivismo filosófico e jurídico passou por profundos questionamentos, resultando em experiências ainda exitosas como o pós-positivismo jurídico (v. as obras de Robert Alexy e Ronald Dworkin), bem como a Escola de Frankfurt no âmbito da ética e filosofia política (v. as obras de Horkheimer, Adorno, Benjamin e Habermas). Tais movimentos intelectuais contribuíram para um gradativo retorno ao pensamento sistêmico/holístico no âmbito das Ciências, que no espectro das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas tem no Direito fértil campo de atuação, nada obstante a prática forense demonstre que os membros da comunidade jurídica ainda carecem da sensibilidade típica dos cultores do pensamento sistêmico, o que resulta em confrontos a meu ver estéreis como o ocorrido entre garantismo e punitivismo penais, em detrimento de um garantismo integral que repercuta não apenas na proteção dos direitos fundamentais do acusado em processos-crime, mas que observe e resguarde os direitos inerentes ao jus puniendi do Estado e à reparação dos direitos e bens jurídicos aviltados das vítimas de delitos.

Logo, entendo ser imperiosa a necessidade de se estabelecer uma adequada didática da Ciência Jurídica em apreço ao movimento de retorno do pensamento sistêmico, compreendendo o Direito como uno e indivisível, nada obstante sua partição meramente científico-metodológico-didática. Isso certamente deverá vir com um importante desdobramento cultural na comunidade jurídica brasileira, no sentido de compreender a importância não absoluta do indiscriminado preciosismo na especialização do profissional jurídico: ser especialista em Direito Penal ou Direito Civil, por exemplo, é importante tão somente em um aspecto relativo, para maior aprofundamento em dada província jurídica, uma vez que cabe ao Jurista a compreensão total da Ciência do Direito, para melhor interpretá-la, seja na qualidade de Advogado, Juiz, membro do Ministério Público, Defensor Público, Autoridade Policial ou membro de qualquer carreira integrante do sistema judicial pátrio.

Em textos futuros, pretendo expor as principais ideias de cultores do movimento do pensamento sistêmico, que repercute na Ciência Jurídica sob a forma do Direito Sistêmico, augurando ser este e os futuros textos importantes para a transformação social positiva da comunidade jurídica brasileira, carente de estudos que, apesar de objetivos, não tenham perda do rigor técnico, científico e acadêmico esperados - e necessários.

domingo, 27 de janeiro de 2019

As Quatro Vertentes da Filosofia Clássica

A Filosofia é uma área do conhecimento humano de tormentosa definição. Do ponto de vista didático, acolho o conceito de Marilena Chauí, que a define como "fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas" (Boas-vindas à Filosofia, p. 29).

Outrossim, também à luz da didática, costumo apresentar a meus alunos um sistema de estrutura do conhecimento filosófico baseado nos ensinamentos de Aristóteles, dividindo o estudo da Filosofia em quatro vertentes, a saber:

1) Ética e Filosofia Política;
2) Retórica;
3) Lógica (ou Analítica);
4) Metafísica.

Embora a Filosofia tenha se originado como uma reação racionalista à mitificação existente na sociedade da Península Grega - sua religião politeísta era incompatível com a racionalização e problematização dos fenômenos físicos, metafísicos e sociais -, bem como também e principalmente a partir do século XVIII passa a se constituir como uma reação à ciência e sua estrutura positivista do conhecimento humano, entendo viável esta forma de se estudar a Filosofia, como um sistema organizado e subdividido para melhor entendimento do pesquisador.

Compreender a Filosofia sob o esquema dos filósofos clássicos, mormente o modelo aristotélico acima delineado, promove maior esclarecimento do estudante e do pesquisador sobre os principais temas que circunscrevem a fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas, tornando mais viável a coexistência do ser humano com o mundo que o cerca.

Para mim, o maior objetivo da filosofia é a promoção da coexistência do ser humano com o ambiente que o cerca e consigo mesmo - nesse ponto, parafraseando alguns aforismos teológicos e místicos, invoco os dizeres existentes nos portões do Oráculo de Delfos: "Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o universo e os deuses", ou mesmo o ensinamento de Jesus Cristo: "Conhecereis a Verdade, e ela vos libertará".

domingo, 1 de julho de 2018

Solidão e Solitude à luz da filosofia

Retomando os escritos costumeiros aqui da página, reflito neste texto sobre os conceitos de solidão e solitude, à luz da filosofia, mantendo uma linguagem acessível e próxima a vocês, caros leitores, dada a natureza pública deste diário virtual.

Como podem perceber, mantenho esta página virtual há alguns anos, tendo iniciado os textos quando ainda era monitor acadêmico de direito internacional público na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Desde então, já se foram nove anos desde quando iniciamos as reflexões e diálogos - principalmente nos comentários a cada nova publicação, os quais, na medida do possível, não me furto a responder e fomentar o debate.

Formei-me em Ciências Jurídicas e Sociais, especializei-me em ciências penais e filosofia jurídica, fui aprovado inicialmente na seleção via concurso público para a carreira de advogado da Companhia Docas do Rio de Janeiro e, há quase dois anos, transferi-me para Goiânia, capital do grande estado de Goiás, para aqui integrar a carreira de procurador municipal, também após seleção por concurso público. Uma vez aqui, logrei êxito na seleção para o quadro permanente de professores da Universidade Estadual de Goiás (UEG), iniciando as aulas neste segundo semestre.

Aos 26 anos de idade, deixei a casa de meus pais e a companhia das pessoas que amo para residir em outro estado da Federação, o que por si só tornou ainda maior o obstáculo inicial de (con)viver sozinho. Incluo no vocábulo anterior a partícula "con", para tornar a palavra em "conviver", pois de fato é um obstáculo ainda maior conviver consigo mesmo do que com outra pessoa. Temos diversos anseios, dúvidas, angústias, além das alegrias, entusiasmo e certezas. O evolver da maturidade na vida do homem - e também da mulher - traz incessantes questionamentos existenciais, que são em sua maioria solucionados com o passar dos anos.

Creio ser fundamental para tanto, para a convivência consigo mesmo, entender os conceitos de "solidão" e "solitude". Tais expressões têm sido difundidas em tempos recentes perante círculos de debate filosófico sem que se tenha uma curiosidade de aferir sua origem, bem como quem foi o teórico que concebeu a noção filosófica de "solitude".

O teólogo alemão e filósofo Paul Johannes Oskar Tillich (1886-1965) traduziu a noção de solitude em célebre frase, que segue: "A linguagem criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho". A solitude, então, trata-se de uma ode ao recolhimento consigo mesmo, à reflexão interna e ao aspecto positivo da solidão, palavra cuja semântica revela hodiernamente uma natureza negativa, dada a pressão social desde tempos imemoriais para que o ser humano construa sua família, clã, tribo e civilização com outros da mesma espécie, com especial ênfase ao fenômeno da procriação - seja por mimetismo com as demais espécies do reino animal (para quem apoia suas crenças na teologia criacionista), seja por de fato pertencer ao reino animal (para os que sustentam o evolucionismo de Charles Darwin).

A filosofia parece estimular a prática da solitude, conforme propugnado pelo também filósofo alemão Arthur Schopenhauer, na frase que segue: "Um homem pode ser ele mesmo apenas se está sozinho; e se ele não ama a solitude, ele não vai amar a liberdade; pois é apenas quando ele está sozinho que pode ser verdadeiramente livre".

Lógico, a companhia dos conhecidos, colegas, amigos e outras pessoas categorizadas em nosso círculo de relacionamentos é salutar, e se presta como evidência do que certa feita dissera o filósofo estagirense Aristóteles, a saber: "O homem é por natureza um animal político, tem primeiro na família sua socialização e garantia da manutenção da vida em seus aspectos financeiros e educativos, mas é na Polis que se realiza plenamente, encontrando no fiel cumprimento das leis a justiça, dado que só podemos ser felizes no exercício da justa medida, ou seja, sendo prudentes e encontrando o meio termo em nossas ações".

Certamente o isolacionismo total transformaria os benefícios da solitude nos malefícios da solidão. Mas a partir desse momento nossa reflexão tergiversa da filosofia para a sociologia e ciência política, o que desborda o objetivo deste texto em linguagem confessional, dada a natureza de diário público.

Fato é que a solitude parece-me essencial para despertar o espírito crítico e reflexivo no indivíduo, e deve ser cultivada, mesmo que em curtos períodos do dia. O que me preocupa, dada a atual quadra de nossa evolução civilizacional, é a ilusão que as pessoas podem fazer da solitude, pensando que se encontram neste estado anímico quando em verdade afundam-se na solidão. A revolução tecnológica contribuiu para tal cenário, em que tantas pessoas aparentam maior preocupação com o destino de seus telefones celulares do que com o destino de seu país, ou de seu amigo, ou familiar, ou pessoa que ama.

Portanto, há que se separar o sentimento de solitude da solidão, sob pena de se perverter seu conceito bem com sua prática filosófica e social, como aliás tem ocorrido com diversos valores na sociedade pós-moderna atual, marcada por esta crise axiológica, valorativa.