1. Introdução
A Sociedade Internacional se apresenta para seus estudiosos como dinâmica e aberta, o que nos leva a crer que possui elementos de isonomia entre seus diversos atores. Estados e Organizações Internacionais, segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1986, são entidades capazes de celebrar tratados, o que lhes confere personalidade jurídica internacional. Seguindo opiniões expedidas por abalizada doutrina , notadamente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e com o desenvolvimento da disciplina dos Direitos Humanos no sistema internacional durante o século passado, o Indivíduo restou caracterizado como um terceiro sujeito de Direito Internacional , o qual, embora não possa firmar tratado, torna-se o principal destinatário das normas jurídicas internacionais e possui disciplina própria de proteção da sua integridade física, moral e intelectual, inspirando inúmeros documentos legislativos posteriores à Declaração de 1948 no direito interno dos Estados componentes da Sociedade Internacional.
Entretanto, infelizmente se verificam no cenário global com freqüência desvios e violações das normas jurídicas internacionais atinentes aos Direitos Humanos. Seja em Estados possuidores de grande desenvolvimento econômico e social, seja em países não detentores de tais conquistas , constantes se constituem as violações à disciplina humanística. Na República Federativa do Brasil, foco de nosso estudo, observa-se constantemente violações aos Direitos Humanos por parte das autoridades públicas detentoras do Poder de Polícia, em que muitas vezes ocorre o denominado Abuso de Poder a fim de angariar vantagens em detrimento da população carente de recursos, número expressivo neste país. Esta é a lamentável realidade existente nas comunidades subdesenvolvidas inseridas no espaço urbano das cidades brasileiras, notadamente no estado-membro do Rio de Janeiro (as quais são denominadas popularmente de favelas). O objetivo do presente estudo é a demonstração da possibilidade de incorporação no espaço urbano das comunidades cuja maioria da população é composta por sujeitos de baixa renda e reduzido status econômico-social, seja através de políticas públicas de desenvolvimento de articulação das comunidades carentes ao ambiente citadino (como o projeto Favela-Bairro, implantado na cidade do Rio de Janeiro no final do século passado e início do atual), seja através de movimentos da sociedade civil (personificados pelas Organizações Não-Governamentais – ONG’s) com finalidades reivindicatórias para o desenvolvimento estrutural destes ambientes degradados.
Atualmente, no Estado brasileiro desenvolvem-se as atividades do Ministério das Cidades, órgão cuja teleologia se encontra voltada para a estruturação de políticas para o desenvolvimento urbano, espraiadas nos entes federativos (em nível municipal, estadual e nacional), cujos propósitos possuem como último nível assegurar o Direito de Habitação do indivíduo (considerado, segundo a recorrente classificação de Norberto Bobbio , um direito fundamental de segunda dimensão). O que nos leva, certamente, à atividade desenvolvida pelo Ministério das Cidades no sentido de formular diretrizes para a incorporação de espaços não urbanizados ou semiurbanos, fenômeno comum no estado-membro do Rio de Janeiro.
2. Breves Considerações Históricas e Axiológicas
Formulando juízo de valor sobre a realidade local e peculiar do Rio de Janeiro, verifico que, principalmente no decorrer do século passado, ocorre uma involução no espaço urbano carioca, devido a cada vez maior concentração de comunidades semiurbanas no espaço citadino. Denominadas favelas (palavra derivada do nome de uma espécie vegetal que crescia na atual região da Providência, na capital do estado-membro, atualmente tomada por uma grande comunidade carente de recursos urbanos), estas comunidades por vezes são consideradas prejudiciais pelo restante da população e agentes públicos, pois além das complicações ambientais resultantes da irregularidade das construções, o risco social presente em tais comunidades certamente constitui grande problemática em matéria de segurança pública, interferindo em outros direitos fundamentais. Em nível maior de complicações, realizando a técnica da ponderação de interesses, capaz de solucionar conflitos entre princípios e direitos fundamentais, considera-se patente a prioridade do direito à vida e segurança frente à habitação (ainda mais pelo fato da habitação em tais comunidades não ser considerada digna, haja vista a ausência de saneamento básico e estruturação urbana na quase totalidade das comunidades carentes não incorporadas ao cenário citadino).
Certamente, poderíamos afirmar que um grande esforço conjunto em prol da incorporação das comunidades carentes no espaço urbano, envolvendo o Poder Público, Sociedade Civil e Organizações do Terceiro Setor (denominadas por abalizada doutrina, desde que institucionalizadas e com auxílio do Poder Público, Organizações da Sociedade Civil para o Interesse Público - OSCIP ) seria o bastante para a resolução de tão lamentável fenômeno no Brasil. Porém, hodiernamente concebe-se que a maioria dos problemas sociais é, acima de tudo, proveniente de uma desestabilidade política, ou reflexo da mesma. A realidade pátria demonstra que o século XX foi prolífero em transtornos no sistema político brasileiro. Desde a problemática social envolvendo a urbanização do Rio de Janeiro na década de 1920, promovida pelo prefeito Pereira Passos (quando este ainda era capital da República dos Estados Unidos do Brazil), conhecida por Revolta da Vacina (devido a apenas um de seus lamentáveis episódios), passando pelos regimes centralizadores de Getúlio Vargas (1930-1945) e no transcorrer dos governos militares (1964-1985), as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano foram relegadas perante opções ditas desenvolvimentistas (infelizmente marcadas sob o signo do que se concebe por Populismo em matéria de estudos da política nacional), as quais em sua maioria fracassaram flagrantemente (e.g. a construção da Rodovia Transamazônica), ou se constituíram em desnecessário dispêndio de recursos para a época (e.g. as construções da Usina Hidrelétrica de Itaipu, da Usina Nuclear de Angra dos Reis, da Ponte Rio-Niterói, etc.), o qual poderia ser reinvestido em outros setores ou projetos consistentes de urbanização.
Após esta breve análise, pode-se afirmar de plano que o Estado brasileiro lamentavelmente realizou inexpressivas iniciativas para resolução das questões ligadas à desordenada ocupação urbana, gerando um déficit social dantesco, como se pode facilmente verificar na cidade do Rio de Janeiro, onde significativos aglomerados semiurbanos convivem (ou, em melhores palavras, conflitam) com redes populacionais organizadas. Neste desiderato, o maior exemplo a ser citado é o da favela da Rocinha, considerada por muitos anos a maior comunidade carente da América Latina , em que parcela desta se encontra localizada em uma das áreas mais nobres da capital fluminense, o bairro de São Conrado, cujo Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) possui um dos mais elevados valores do município. Tal realidade merece destaque frente à matéria da inclusão social, presente na agenda de diversos organismos intergovernamentais, notadamente a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
NOTAS:
1. Cf. MELO, Celso Duvivier de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2004.
2. Cf. REZEK, Francisco José, Direito Internacional Público – Curso Elementar, Rio de Janeiro, Editora Saraiva, 2008, o qual se posiciona no sentido de uma interpretação estrita da Convenção de Viena de 1986, a fim de considerar apenas os Estados e Organizações Internacionais como concretos sujeitos de Direito Internacional, discordando do entendimento majoritário da incorporação de personalidade jurídica internacional para o Indivíduo, devido à evolução da disciplina dos Direitos Humanos.
3. Nos estudos de política internacional, denominam-se tais entes de “Países de Menor Desenvolvimento Relativo (PMDR)”. Cf. PECEQUILO, Cristina Soreanu, Política Internacional, Série Manuais do Instituto Rio Branco, Brasília, Editora Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.
4. BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos, Edição traduzida para a Língua Portuguesa, 2008.
5. Cf., para maiores esclarecimentos neste desiderato, BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Editora Malheiros, 2010.
6. “A Rocinha chegou a ser conhecida como a maior favela da América Latina nos anos 80. Segundo cálculos da época, cerca de 200 mil pessoas moravam no morro. Os números atuais, mais realistas, colocam a Rocinha ainda como uma das maiores favelas do Rio com pouco mais de 50 mil moradores (Censo 2000)”. Disponível virtualmente:


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