quinta-feira, 20 de junho de 2019

Pensamento Jurídico Sistêmico - parte 1

O Direito, na perspectiva da Ciência Jurídica, pertence à categoria das Ciências Sociais Aplicadas, sendo de grande relevância para a manutenção das relações humanas sob o prisma dos valores de liberdade, igualdade e fraternidade. Não por acaso, embora exista desde priscas eras, sofreu profunda ressignificação a partir das revoluções liberais do século XVIII, marcadamente a Revolução Francesa (1789).

O pensamento filosófico desde sua potencial origem nas civilizações helênicas da Antiguidade caracteriza-se pela sistematização e raciocínio holístico, não considerando apenas uma ótica da realidade, do mundo fenomênico, mas trazendo aportes teóricos significativos para a compreensão da realidade social, política, natural, estética e metafísica.

Todavia, com a revolução industrial no século XVIII, e consequentemente a revolução científica que a acompanhou especialmente ao longo do século XIX, semelhante pensamento holístico foi objeto de gradual transmutação para uma perspectiva mecanicista da realidade, que trouxe bons frutos como a sistematização do pensamento científico e sua divisão metodológica, mas que também resultou em um significativo processo de perda de sensibilidade e ausência de referenciais teóricos abrangentes.

Em suma: a transmutação do pensamento sistemático para o pensamento mecanicista deitou profundas raízes em movimentos intelectuais como o positivismo filosófico (e jurídico) ao longo do século XIX que, como todos sabem, resultou na barbárie nazi-fascista nas décadas de 1920 a 1940. Embora a conclusão em princípio pareça ser dissociada da premissa ("graves violações de direitos humanos ocorreram porque os meios acadêmicos da época optaram por gradualmente se afastar de um pensamento integral da realidade para inebriarem-se em uma sanha classificatória e determinista da mesma realidade, plural e multifacetada"), creio que a capacidade formadora de opinião dos meios acadêmicos, especialmente no período histórico considerado, foram de fundamental importância para influenciar as forças políticas de então, resultando no massacre imperialista e nazi-fascista subsequente.

Após a II Grande Guerra (1939-1945) o positivismo filosófico e jurídico passou por profundos questionamentos, resultando em experiências ainda exitosas como o pós-positivismo jurídico (v. as obras de Robert Alexy e Ronald Dworkin), bem como a Escola de Frankfurt no âmbito da ética e filosofia política (v. as obras de Horkheimer, Adorno, Benjamin e Habermas). Tais movimentos intelectuais contribuíram para um gradativo retorno ao pensamento sistêmico/holístico no âmbito das Ciências, que no espectro das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas tem no Direito fértil campo de atuação, nada obstante a prática forense demonstre que os membros da comunidade jurídica ainda carecem da sensibilidade típica dos cultores do pensamento sistêmico, o que resulta em confrontos a meu ver estéreis como o ocorrido entre garantismo e punitivismo penais, em detrimento de um garantismo integral que repercuta não apenas na proteção dos direitos fundamentais do acusado em processos-crime, mas que observe e resguarde os direitos inerentes ao jus puniendi do Estado e à reparação dos direitos e bens jurídicos aviltados das vítimas de delitos.

Logo, entendo ser imperiosa a necessidade de se estabelecer uma adequada didática da Ciência Jurídica em apreço ao movimento de retorno do pensamento sistêmico, compreendendo o Direito como uno e indivisível, nada obstante sua partição meramente científico-metodológico-didática. Isso certamente deverá vir com um importante desdobramento cultural na comunidade jurídica brasileira, no sentido de compreender a importância não absoluta do indiscriminado preciosismo na especialização do profissional jurídico: ser especialista em Direito Penal ou Direito Civil, por exemplo, é importante tão somente em um aspecto relativo, para maior aprofundamento em dada província jurídica, uma vez que cabe ao Jurista a compreensão total da Ciência do Direito, para melhor interpretá-la, seja na qualidade de Advogado, Juiz, membro do Ministério Público, Defensor Público, Autoridade Policial ou membro de qualquer carreira integrante do sistema judicial pátrio.

Em textos futuros, pretendo expor as principais ideias de cultores do movimento do pensamento sistêmico, que repercute na Ciência Jurídica sob a forma do Direito Sistêmico, augurando ser este e os futuros textos importantes para a transformação social positiva da comunidade jurídica brasileira, carente de estudos que, apesar de objetivos, não tenham perda do rigor técnico, científico e acadêmico esperados - e necessários.

Um comentário:

  1. No meu ponto de vista, o fruto estragado dessa corrente foram as crises sociais.

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