domingo, 1 de julho de 2018

Solidão e Solitude à luz da filosofia

Retomando os escritos costumeiros aqui da página, reflito neste texto sobre os conceitos de solidão e solitude, à luz da filosofia, mantendo uma linguagem acessível e próxima a vocês, caros leitores, dada a natureza pública deste diário virtual.

Como podem perceber, mantenho esta página virtual há alguns anos, tendo iniciado os textos quando ainda era monitor acadêmico de direito internacional público na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Desde então, já se foram nove anos desde quando iniciamos as reflexões e diálogos - principalmente nos comentários a cada nova publicação, os quais, na medida do possível, não me furto a responder e fomentar o debate.

Formei-me em Ciências Jurídicas e Sociais, especializei-me em ciências penais e filosofia jurídica, fui aprovado inicialmente na seleção via concurso público para a carreira de advogado da Companhia Docas do Rio de Janeiro e, há quase dois anos, transferi-me para Goiânia, capital do grande estado de Goiás, para aqui integrar a carreira de procurador municipal, também após seleção por concurso público. Uma vez aqui, logrei êxito na seleção para o quadro permanente de professores da Universidade Estadual de Goiás (UEG), iniciando as aulas neste segundo semestre.

Aos 26 anos de idade, deixei a casa de meus pais e a companhia das pessoas que amo para residir em outro estado da Federação, o que por si só tornou ainda maior o obstáculo inicial de (con)viver sozinho. Incluo no vocábulo anterior a partícula "con", para tornar a palavra em "conviver", pois de fato é um obstáculo ainda maior conviver consigo mesmo do que com outra pessoa. Temos diversos anseios, dúvidas, angústias, além das alegrias, entusiasmo e certezas. O evolver da maturidade na vida do homem - e também da mulher - traz incessantes questionamentos existenciais, que são em sua maioria solucionados com o passar dos anos.

Creio ser fundamental para tanto, para a convivência consigo mesmo, entender os conceitos de "solidão" e "solitude". Tais expressões têm sido difundidas em tempos recentes perante círculos de debate filosófico sem que se tenha uma curiosidade de aferir sua origem, bem como quem foi o teórico que concebeu a noção filosófica de "solitude".

O teólogo alemão e filósofo Paul Johannes Oskar Tillich (1886-1965) traduziu a noção de solitude em célebre frase, que segue: "A linguagem criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho". A solitude, então, trata-se de uma ode ao recolhimento consigo mesmo, à reflexão interna e ao aspecto positivo da solidão, palavra cuja semântica revela hodiernamente uma natureza negativa, dada a pressão social desde tempos imemoriais para que o ser humano construa sua família, clã, tribo e civilização com outros da mesma espécie, com especial ênfase ao fenômeno da procriação - seja por mimetismo com as demais espécies do reino animal (para quem apoia suas crenças na teologia criacionista), seja por de fato pertencer ao reino animal (para os que sustentam o evolucionismo de Charles Darwin).

A filosofia parece estimular a prática da solitude, conforme propugnado pelo também filósofo alemão Arthur Schopenhauer, na frase que segue: "Um homem pode ser ele mesmo apenas se está sozinho; e se ele não ama a solitude, ele não vai amar a liberdade; pois é apenas quando ele está sozinho que pode ser verdadeiramente livre".

Lógico, a companhia dos conhecidos, colegas, amigos e outras pessoas categorizadas em nosso círculo de relacionamentos é salutar, e se presta como evidência do que certa feita dissera o filósofo estagirense Aristóteles, a saber: "O homem é por natureza um animal político, tem primeiro na família sua socialização e garantia da manutenção da vida em seus aspectos financeiros e educativos, mas é na Polis que se realiza plenamente, encontrando no fiel cumprimento das leis a justiça, dado que só podemos ser felizes no exercício da justa medida, ou seja, sendo prudentes e encontrando o meio termo em nossas ações".

Certamente o isolacionismo total transformaria os benefícios da solitude nos malefícios da solidão. Mas a partir desse momento nossa reflexão tergiversa da filosofia para a sociologia e ciência política, o que desborda o objetivo deste texto em linguagem confessional, dada a natureza de diário público.

Fato é que a solitude parece-me essencial para despertar o espírito crítico e reflexivo no indivíduo, e deve ser cultivada, mesmo que em curtos períodos do dia. O que me preocupa, dada a atual quadra de nossa evolução civilizacional, é a ilusão que as pessoas podem fazer da solitude, pensando que se encontram neste estado anímico quando em verdade afundam-se na solidão. A revolução tecnológica contribuiu para tal cenário, em que tantas pessoas aparentam maior preocupação com o destino de seus telefones celulares do que com o destino de seu país, ou de seu amigo, ou familiar, ou pessoa que ama.

Portanto, há que se separar o sentimento de solitude da solidão, sob pena de se perverter seu conceito bem com sua prática filosófica e social, como aliás tem ocorrido com diversos valores na sociedade pós-moderna atual, marcada por esta crise axiológica, valorativa.