domingo, 18 de agosto de 2013

Direito Penal e Modificadores da Imputabilidade - Embriaguez

Caros leitores,

aproveitando o término de minha especialização em Direito Internacional Penal, e como tive de estudar alguns temas atinentes ao Direito Penal Brasileiro a fim de compreender a dinâmica interestatal da disciplina, segue texto por mim redigido usado como resposta em uma das avaliações a que fui submetido na Pós-graduação. Acredito que seja relevante para os estudantes universitários e alunos compreenderem a dinâmica da embriaguez no ordenamento jurídico-penal pátrio. Acrescentei ao final alguns excertos doutrinários que podem ajudá-los a compreender melhor a temática. Como não sou advogado criminalista, peço aos leitores e alunos que contribuam com sugestões para aprimoramento do estudo. Beijos e abraços!
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"A embriaguez no direito penal brasileiro deve ser entendida, preliminarmente, como um modificador da imputabilidade que é ocasionado tanto pela ingestão de bebidas alcoólicas quanto pelo uso de substâncias entorpecentes e psicoanalépticas. Em virtude disso, existem as seguintes modalidades de embriaguez previstas no Código Penal Brasileiro de 1940 (CPB):

1- Embriaguez Fortuita: decorrente de caso fortuito ou força maior (respectivamente, imprevisibilidade e inevitabilidade segundo grande parcela da doutrina, capitaneada por E. Magalhães Noronha). Caso seja completa, afasta a culpabilidade do agente por inimputabilidade, nos termos do artigo 28, §1º, CPB. Caso a embriaguez fortuita seja incompleta, haverá redução da culpabilidade do agente, incidindo sobre uma diminuição da pena cominada ao delito praticado.

2- Embriaguez Patológica: decorrente da dependência alcoólica ou química do agente. Embora não mencionada de forma expressa no CPB, extrai-se de seu espírito por método interpretativo sistemático que a embriaguez patológica igualmente exclui a culpabilidade do agente por inimputabilidade, impondo-lhe, neste específico caso, medida de segurança ao invés de pena, por tratar-se de sujeito que não possui capacidade de entender o caráter ilícito do delito e de determinar-se segundo tal entendimento, por estar constantemente ébrio.

3- Embriaguez Culposa: prevista no artigo 28, II, CPB, trata-se da hipótese na qual o agente, por negligência ou imprudência, embriaga-se e posteriormente comete delito sem que haja efetivo desejo em cometê-lo. Ou seja, há ausência de vontade livre e consciente dirigida finalisticamente á prática criminosa (dolo). Neste caso, não há qualquer modificador de imputabilidade penal, pois adota-se no ordenamento jurídico brasileiro a teoria da Actio Libera in Causae (o agente encontrava-se livre em sua determinação e consciente no momento anterior do estado de embriaguez, sendo previsível o resultado danoso de sua conduta se estivesse embriagado (lembrando-se sempre que embriagado engloba tanto a inimputabilidade decorrente da bebida alcoólica quanto da substância psicoanaléptica).

4- Embriaguez Voluntária: prevista igualmente no artigo 28, II, CPB, possui os mesmos efeitos jurídico-penais da embriaguez culposa, por aplicação da Teoria da Actio Libera in Causae no ordenamento pátrio. A única diferença entre ambas encontra-se na esfera de entendimento do agente, pois na embriaguez voluntária este conhece previamente os efeitos que a embriaguez poderá causar em sua futura conduta criminosa, ou seja, há vontade livre e consciente de embriagar-se, enquanto que na embriaguez culposa não há tal vontade qualificada, mas por imprudência ou negligência o agente embriaga-se e posteriormente comete crime cujo resultado era previsível nas circunstâncias em que foi praticado.

5- Embriaguez Preordenada: disciplinada no artigo 61, II, l, CPB, trata-se de modalidade genérica de agravante causada pelo fato do agente embriagar-se dolosamente com a intenção de, através da embriaguez, praticar uma conduta típica, ilícita, culpável e punível (na teoria funcionalista constitucional de Luiz Flávio Gomes). Neste aspecto, diferencia-se das demais formas de embriaguez pois é manejada como elemento para a prática do delito, planejado quando em estado de sobriedade".


- Excertos relevantes de estudos doutrinários:

"Em sua 'Criminologia', formula Afrânio Peixoto verdadeiro libelo-crime acusatório contra o alcoolismo. Começa por dizer que é irrisão ter o homem feito das fezes de uma bactéria - o álcool é o produto de desassimilação de um 'saccharomyces' - sua delícia. Mostra as consequências sobre o organismo humano se sobre a descendência do alcoólatra. Aponta as estatísticas da criminalidade, registrando seus índices mais elevados nos sábados e domingos e decrescendo daí por diante. Chama a atenção para a conduta dos governos, que não vacialm em auferir rendas a sua custa. Lembra a dizimação que ele produziu no 'pele-vermelha' da América do Norte e em nosso 'selvagem', queimando-se antes com o 'cauim' e mais tarde com o 'caiumtatá' (cachaça) que o 'civilizado' lhe deu. (...) Certamente, por isso é que as leis penais se têm estremado na punição do delito sob a ação do álcool e de substâncias análogas, esquecidas, entretanto, que também se devem acautelar quanto à consagração da responsabilidade objetiva a que podem ser conduzidas" (NORONHA, E. Magalhães. "Direito Penal - Volume I: introdução e parte geral. 38ª Edição atualizada por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Editora Rideel, 2009, p. 180).

"Vale estabelecer a diferença entre embriaguez (mera intoxicação do organismo pelo álcool) e alcoolismo (embriaguez crônica, que é caracterizada por um 'abaixamento da personalidade psicoética', tornando o enfermo lento nas suas percepções ou levando-o a percepções ruins, a ponto de ter 'frequentes ilusões', fixando mal as recordações e cansando-se ao evocá-las, ao mesmo tempo em que 'a associação das ideias segue por caminhos ilógicos', cf. Altavilla, 'Psicologia Judiciária', v. 1, p. 284), levando em conta ser o alcoolismo considerado doença mental, logo, aplica-se o disposto no art. 26, 'caput', do Código Penal, ou seja, o agente deve ser absolvido, aplicando-se-lhe medida de segurança" (NUCCI, Guilherme de Souza. "Manual de Direito Penal". 7ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 312).

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Fragmentariedade do Direito Internacional

Tema que desperta muito interesse dos estudiosos do Direito Internacional contemporâneo é sua fragmentariedade. Desde os tempos de monitor acadêmico na Faculdade Nacional de Direito, discutia com meus colegas a característica fragmentária do Direito Internacional, não em um sentido secundário ou acessório, mas como uma disciplina em constante expansão, que espraia sua influência sobre todas as demais disciplinas das Ciências Jurídicas.

Ora, o tema da fragmentação do Direito Internacional é discutido na atualidade de forma potencial apenas em estudos estrangeiros (v. SHAW, Malcolm. "International Law". 6ª Edição. Reino Unido: Cambridge University Press, 2008). Segundo o Professor da Universidade de Leicester, a fragmentação do Direito Internacional poderia ensejar um raciocínio tendente a considerá-lo enfraquecido; todavia, este fenômeno promove seu fortalecimento e influência nas demais áreas do direito.

O que vemos na realidade brasileira é a profusão de poucos estudos sobre o tema, em número mais reduzido nos grandes manuais (v.g. ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulálio Nascimento; CASELLA, Paulo Borba. "Manual de Direito Internacional Público". São Paulo: Editora Saraiva, 2011). Torna-se, pois, uma necessidade imperiosa a Doutrina pátria do Direito Internacional apresentar à comunidade acadêmica e aos estudantes de Ciências Jurídicas o tema da Fragmentariedade do Direito Internacional, especialmente como forma de reafirmar a extrema importância da disciplina no paradigma contemporâneo da interdependência.